'Baile de favela' muda vida de Mc João, que sustenta família desde os 17 anos
15/03/2016 09:02 em Música

“Baile de favela”, aquela música que lista bailes funk da periferia de São Paulo com um refrão impossível de tirar da cabeça, nasceu em uma casa espaçosa. O imóvel não fica na favela, tem piscina, dois andares bem decorados e varanda com vista para a Zona Norte da cidade. É a sede da GR6, empresa que gerencia uma equipe de garotos anônimos no resto do Brasil, mas tratados como estrelas nos tais bailes paulistanos. MC João é a revelação do time.

Foi lá que o G1 conversou com João, autor e voz de “Baile de favela”. Ele mora em Jova Rural, comunidade pobre no extremo norte da cidade, mas agora bate ponto no casarão da GR6.

O jovem de 24 anos não parece o mesmo MC de casaco de capuz alaranjado, erguido pela multidão ao cantar o refrão matador de mãos ao alto, no clipe visto 50 milhões de vezes em quatro meses. João Israel Simeão é tímido e fala baixo, sem gritar os palavrões que fizeram com que o hit precisasse de “versão light” para o rádio.

Enquanto a música que ele fez divide o top 10 do Spotify e do iTunes no Brasil com Justin Bieber e Anitta, João continua com tanto jeito de garoto comum quanto seu nome sugere.

 

Office boy

O que fez a música simples, carregada de sotaque e putaria, virar um hino pop do réveillon? O objetivo da conversa é entender o fenômeno, mas João não faz ideia. Ao falar do fnk, ele não começa comentando os bailes cantados no refrão. João cita a morte do pai quando ele tinha 17 anos. Ele era pedreiro e sustentava a família. O jovem ficou sozinho para cuidar da mãe, com problemas de saúde, e duas irmãs. O funk era “válvula de escape” da rotina difícil.

“Comecei a sustentar a minha família com R$ 620 por mês. Imagina o que você faz com esse dinheiro...” Da Jova Rural, ele saia todo dia para trabalhar de office boy. Passou pela Ericsson e foi ajudante no escritório de advocacia Pinheiro e Associados, na avenida Paulista. Quando anunciou que largaria o trabalho de 9h às 17h para se dedicar só ao funk, ouviu dos antigos chefes: “Você é louco”. Na verdade, João já cantava em paralelo com os trabalhos diurnos.

Quem convenceu João Israel a cantar foi um colega da escola, no final do Ensino Médio. “Tinha conhecido um ano antes e depois acabamos na mesma sala. A gente ficava rimando o dia inteiro, mano. Falava do professor, da cadeira, da mesa. E eu inistia: ‘Vira MC, vira MC’”. O colega era Renato Lima Rodrigues, que também virou MC, o Menor da VG, outro ídolo dos bailes de favela.

 

'Fuga' do crime

Perceber o jeito para o funk evitou que João Israel fosse para outro trabalho paralelo na comunidade. “Com a perspectiva que ele tinha, ou ele trabalhava ou ele ia roubar”, diz Juninho Love, o produtor artístico que o acompanha na entrevista. “De onde ele veio, o índice de criminalidade é muito alto”, afirma.

“Você ganha um salário mínimo, e aí chegam do seu lado pessoas que ganham mais e têm uma saída para você, que está numa bola de neve. Eu tinha perdido o meu pai, a única fonte de renda da família, meu porto seguro veio abaixo. O que você vai fazer? Nessa hora vêm vários pontos de interrogação na cabeça. A geladeira estava vazia. E nesse momento chegou o funk, e você não vai pelo outro caminho”, conta João.

Ele seguiu por quase sete anos entre os trabalhos de office boy de dia e pequenos shows à noite. Cantar era o que ele queria de verdade. “Você vai viver o sonho ou a realidade? No começo do ano, tocou em mim que eu tinha que arriscar, porque era novo. Se for para quebrar a cara, tem que ser agora, porque mais para frente eu não sei como vai ser. Eu saí do trampo e no outro dia entrei na GR6”, lembra.

 

Hit improvisado

Depois de um funk que quase estourou (“'Caçador de pererecas' bateu na trave”, diz), ele voltou ao estúdio da GR6. “Baile de favela” veio de improviso. “Fui gravar outra música. Mas esqueci a melodia. O produtor é muito rigoroso, chucro. Ele levantou e falou: 'Tá uma bosta'. E agora, o que eu faço? Tinha um refrãozinho pronto e comecei: ‘Ela veio quente, hoje tô fervendo.’ Aí fui citando os bailes pelos quais passei. Todo mundo começou a pular no estúdio".

O produtor é Rodrigo Santos, o R7 - apelido citado na música. Ele morava no Espírito Santo e ficou conhecido no funk de SP com trabalhos de produção à distância. Funkeiros mandavam a voz pela internet e recebiam a música pronta de volta. A GR6 gostou do trabalho e bancou a mudança dele para São Paulo. Há 9 meses ele trabalha direto no estúdio da casa, produzindo as músicas do extenso plantel de funkeiros.

 

Casa do funk

A GR6 tem esquema cada vez mais profissional para nomes como Livinho, Kevinho e Menor do Chapa. Foi fácil reconhecer a casa e apontar para o taxista: “É aquele portão ali onde está o MC Pedrinho”. Mas marcar a entrevista não foi tão simples. A empresa evita a imprensa, justamente por causa do garoto do portão. No ano passado, Pedrinho virou polêmica e foi proibido de cantar seus funks pornográficos. Agora, o garoto de 13 anos está de volta com músicas mais comportadas.

 

Preconceito?

João não é menor de idade, mas o teor sexual da letra também é polêmico. Em redes sociais, há quem o acuse de incentivar a violência contra a mulher, em versos como “vai voltar com a x... ardendo”. Ele nega. “Na letra digo que ‘ela veio quente’. A gente está no clima, ela quer”, diz João, defendendo o consentimento da personagem. Ele compara ao “pode vir quente que estou fervendo” de Roberto e Erasmo. Para ele, é fácil criticar o funk. “Só porque a gente é humilde e veio da favela, vem essa interpretação”, diz. 

Os próprios bailes de favela são alvos de críticas e repressão policial. “A gente é jovem, então por falta de opção de lazer acaba acontecendo. A gente é induzido a ter as coisas e passa vontade, e isso não faz bem. O fluxo é um jeito de se divertir. Tem gente que paga R$ 100 só para entrar numa balada. Com R$ 100 você faz a festa do fluxo. Sei que fica ruim para quem quer dormir na região, mas também virou uma fonte de renda para a comunidade”, diz.

“Tem noção de quantos carrinhos de bebida, de refrigerante, quanta gente o fluxo emprega?".

"Só quando a polícia chega é que uma correria para não perder tudo. É tiro de borracha pra lá, pra cá...”. João já tomou um destes tiros? “Não, eu sempre fui esperto. Menino do beco não toma não, sabe se esquivar”. Um dos bailes citados na letra, o da Rua Sete, acontecia na porta da sua casa. Ele convenceu a GR6 a gravar o clipe lá. “Foi mágico, só colocamos o som no carro e apareceram umas 3 mil pessoas”.

 

Sem ostentação

Exaltar os bailes de rua e se assumir “menino do beco” condiz com a onda pós-ostentação do funk paulista. “Eu era o menino que deixava de comprar o tênis de marca para comprar a 'mistura' para comer casa. Nunca fui a favor de induzir a ostentação. Se eu não tenho aquelas coisas, estou com a geladeira vazia, tirando da mistura, isso acaba te induzindo a fazer alguma coisa... Minha vida é diferente. Eu queria é ostentar superação, aí escrevi no peito”, explica a frase escrita em grande tatuagem no tórax.

Juninho Love afirma que MC João chega a cobrar hoje R$ 12 mil por show – número que parece exagerado no mercado cheio de concorrência e pouco valorizado do funk. João diz que, com o sucesso da música, já pode “comprar uma mistura melhor para comer em casa”. Ele também já pensa em comprar seu primeiro carro. Bailes de favela, que não pagam cachê, ele já não pode mais aceitar. E o que mais o sucesso já proporcionou? Conhecer Edi Rock, um dos ídolos dos Racionais, ele diz.

 

De cabelo novo no Paraguai

A entrevista termina com uma visita ao cabelereiro. Um funcionário da produtora leva MC João para fazer relaxamento capilar e um novo corte. (Ele mostra o resultado um dia depois no Instagram. Está um pouco menos ‘garoto comum’ e um pouco mais ‘o cara daquela música’). Dias depois, ele comemora na rede social sua primeira viagem para fora do Brasil: “Atravessando as fronteiras, MC João no Paraguai”.

A penúltima pergunta tentou puxar um plano para a carreira, um objetivo maior na música. “Entrar nos ‘melhores do ano’ do Faustão?”, ele arrisca. A última questão insinua o que muita gente pensa de “Baile de favela”. Será mais um sucesso passageiro, antes de ele voltar a ser mais um João anônimo? Ele não se ofende com a questão nem parece preocupado. Ajudar a família com o sucesso de agora já parece algo a se comemorar. De novo, a resposta vem sem o palavrão das músicas: “Deixo na mão de Deus”.

 

 

 

Foto: Rodrigo Ortega/G1 | Fonte: G1

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