Silva evolui, mas ainda oscila ao questionar o país em álbum de brasilidade pop
Publicado em 29/05/2018 10:32
Música

É sintomático que o quinto álbum de estúdio de Silva, Brasileiro (selo slap), feche com samba que exalta o país a partir da imaginação de um estrangeiro.

"Brasil, Brasil / Onde é que fica o Brasil? / Brasil, Brasil / Quem conhece o Brasil? / Ouvi dizer / Que é um lugar bem bom pra se morar / Quem mora lá / Não quer nem viajar", supõe o cantor e compositor capixaba em letra ouvida sobre o baticum que embasa esse samba intitulado Brasil, Brasil (Lúcio Silva e Lucas Silva).

Por mais que haja certa ironia em questionamento que bem pode exprimir saudade do país de um futuro que nunca chega, os versos focam um olhar estrangeiro sobre o Brasil cantado e poetizado por Lúcio Silva em álbum que sedimenta a guinada pop esboçada pelo artista no anêmico álbum autoral anterior, Júpiter (2015), e consolidada no projeto de 2016 em que Silva abordou o repertório da cantora e compositora Marisa Monte.

Ao cantar Marisa em show que virou disco, Silva se deparou com cancioneiro que embute brasilidade na arquitetura pop.

É que o Silva faz, com menor êxito, em Brasileiro, álbum produzido pelo próprio artista, que se revezou no estúdio nos toques de piano elétrico, piano acústico, sintetizador, programações, violão, baixo, violino e percussão (há outros músicos nos sopros, na bateria e na percussão).

Como mostram músicas como Duas da tarde (Lúcio Silva e Lucas Silva), a brasilidade do disco é filtrada pela bagagem pop gringa desse compositor que começou imerso em onda tecnopop que fez emergir influências do som da década de 1980.

Há ecos desse tecnopop nos beats sintéticos do arranjo de Ela voa, música com a qual Silva abre parceria com o compositor fluminense Ronaldo Bastos, letrista de emblemáticas canções do Clube da Esquina.

Em Ela voa, o lirismo poético e popular de Bastos plana em sintonia com o clima leve e geralmente cool do disco.

Música que abre o álbum confirmando a evolução de Silva como compositor, Nada será mais como era antes – uma das oito parcerias de Silva com o irmão Lucas Silva incluídas na safra mais nacionalista do artista – reverbera e atualiza o título de famosa canção de Bastos, Nada será como antes (Milton Nascimento e Ronaldo Bastos, 1972), demolindo símbolos nacionais (em versos como "Derrubaram a palmeira do bicho" e "Nunca vi um sabiá por aqui") e fazendo questionamentos como exilado que se sente estrangeiro na própria terra (des)amada.

"Eu já me perguntei / Como a gente vai ser brasileiro", pondera Silva, articulando pensamento que sintoniza a desperança dos brasileiros que já sentem que, não, nada será mais como era antes.

Como simboliza a expressiva arte da capa criada por André Paste, o álbum Brasileiro reflete a visão que Silva tem de um país que se equilibra na corda bamba entre as belezas e as mazelas nacionais. Um dessas belezas é o samba, ritmo recorrente do disco.

É o samba que sereniza Guerra do amor (Lúcio Silva e Lucas Silva), que ganha clima de bossa nova no pagode romântico Prova dos nove – música do compositor Dé Santos que mostra Silva já disposto a abordar canções alheias após o mergulho providencial na obra de Marisa Monte – e que pauta o ritmo do violão condutor do tema instrumental Sapucaia (Silva).

É um samba com bossa. Por mais improvável que a conexão possa soar, a voz e o violão que introduzem Milhões de vozes – primeira parceria de Silva com Arnaldo Antunes – ecoam o canto e a bossa matricial de um certo João Gilberto, uma voz única.

De todo modo, por mais que o álbum transite na rota que guia Silva rumo a uma brasilidade latente (o texto distribuído aos formadores de opinião informa que o artista ouve discos de João desde criança), o álbum Brasileiro também pega atalhos que poderão manter Silva no trilho mais pop seguido pelo cantor desde 2015.

Gravada com Anitta em dueto fraterno, condizente com a natureza de letra que soa como papo entre amigos, Fica tudo bem (Lúcio Silva e Lucas Silva) é música que tem potencial para o sucesso popular e que exemplifica a simplicidade adotada pelo compositor em canções mais recentes.

É como cigano cidadão do mundo pop que Silva cai no samba em Let me say (Lúcio Silva e Lucas Silva), dizendo "adeus à terra do que sou".

Nessa rota pop nacionalista, o brasileiro-estrangeiro reivindica origens e demarca território.

"Sou nascido e moro nessa terra / Mas se eu morrer me deixe morto / Já que sou pedaço desse chão", canta na frutífera Caju (Lúcio Silva e Lucas Silva) sobre baticum que remete ao universo musical afro-pop-baiano no qual brotou o matiz do axé A cor é rosa (Lúcio Silva e Lucas Silva), deliciosa música previamente lançada como single que anunciou, sem aviso prévio, a chegada ao mercado fonográfico deste álbum em que Silva apresenta temas instrumentais como Palmeira (Lúcio Silva), levado ao piano.

A questão que dilui a força de Brasileiro (e que impede o álbum de ser o grande disco que talvez pudesse ser) é que, mesmo em nítida evolução como compositor (progresso atestado na criação da melodia de Palavras no corpo, feita sobre letra de Omar Salomão para o álbum que Gal Costa lança em agosto), Silva ainda oscila.

A safra autoral de Brasileiro é menos inspirada do que o conceito deste disco cívico que questiona o Brasil ao mesmo tempo em que exalta o país com o ufanismo possível nos dias de hoje. (Cotação: * * * 1/2)

 

Fonte: Portal G1 | Foto: Divulgação

 

Comentários